Borda d’Água: há 95 anos a “orientar” o mundo rural
O almanaque Borda d´Água está, mais uma vez, repleto de informações e conselhos úteis para agricultores, silvicultores, hortelãos e curiosos. Conciliando evidências científicas com sabedoria popular, esta é uma das mais antigas publicações nacionais.
Se já folheou a edição de 2024 do Borda d’Água, descobriu, ou confirmou, que as luas minguantes dos primeiros meses do ano são fundamentais para a poda das figueiras, macieiras e laranjeiras, bem como para iniciar a enxertia. Que fevereiro é a melhor altura para plantar árvores e que resinar os pinheiros é tarefa inadiável em abril. O mês seguinte é de alerta: “Quando maio chegar, quem não arou tem que arar”. Há também que lavrar à volta das matas e limpá-las o melhor possível para evitar incêndios.
O almanaque é uma espécie de bússola nas comunidades com atividades ligadas à terra. Mas não é lido apenas no mundo rural: tem muitos leitores urbanos, que não o dispensam para saber como tratar das suas pequenas hortas em varandas e quintais, e tantos outros que gostam de cumprir a tradição de o comprar todos os anos, mesmo não tendo qualquer terreno. Afinal, como está explícito na sua “assinatura”, trata-se de “Repertório útil a toda a gente”.
Sabedoria popular e conhecimento científico
Os conselhos práticos do Borda d’Água são baseados na sabedoria popular, mas também na ciência, nomeadamente na astronomia. Nas suas 24 páginas, podemos encontrar desde previsões meteorológicas e informações sobre as fases da lua até indicações sobre as épocas ideais para sementeiras e outras atividades agrícolas. Igualmente útil é o calendário das festas, romarias e efemérides.
Os conteúdos de cada edição começam a ser preparados em janeiro ou fevereiro do ano anterior. Essa preparação faz-se em boa parte a partir da recolha de dicas de leitores de todo o país, que partilham a sua sabedoria relativa aos trabalhos agroflorestais ou provérbios e “lições” que “herdaram” dos antepassados. Os dados sobre a meteorologia e as fases da lua, por seu lado, têm uma sólida base científica: são recolhidos junto do Observatório Astronómico de Lisboa.
O “senhor da meteorologia”
Na primeira página do almanaque, continua a aparecer o “senhor da meteorologia”, uma figura masculina vestida de fraque, com uma cartola na cabeça, um jornal e um guarda-chuva debaixo do braço. Crê-se que a ilustração representa o meteorologista do início do séc. XX – alguém que, nas margens dos rios, pendurava umas “folhinhas” com a previsão do tempo e outras informações para os navegadores.
Criado em 1929 por Manuel Rodrigues – fundador da Editorial Minerva, que ainda detém a publicação – o Borda d’Água mantém igualmente a ferradura vermelha, um símbolo de boa sorte para todo o ano.
O Valor do Papel
Procurado há décadas por fiéis seguidores, o almanaque tornou-se um fenómeno de resistência entre as publicações em papel. Sem edição digital, nem qualquer tipo de conteúdos online, continua a ser impresso numa tipografia tradicional, em Lisboa. Com uma tiragem de 100 mil exemplares e um custo de três euros por unidade, é comercializado por vendedores de rua nas aldeias, mas também em quiosques de vilas e cidades e até mesmo nas livrarias das grandes superfícies. O Borda d’Água é avesso à edição digital, pois é sinónimo de tradição e quer continuar a chegar a leitores de vários estratos sociais, de norte a sul do país, muitos deles sem acesso à internet.